Erva daninha no trigo: a parábola do
joio
As parábolas
que Jesus ensinou junto ao Mar da Galiléia (Mateus 13, Lucas 8, Marcos 4)
destinavam-se a definir o reino de Deus tanto quanto o Sermão do Monte. Mas
estas histórias e comparações tinham o efeito oposto sobre aqueles cujo coração
tinha sido estupidificado pela religião mundana dos escribas e fariseus. Na
escuridão de seu entendimento o reino do céu era ainda mais mistificado (Mateus
13:11-15). A razão é, como Robert F. Capon observou, que as parábolas de Jesus
expõem retratos do domínio do céu que reduzem a picadinho as expectativas
religiosas do povo. Pessoas "más" são premiadas. Pessoas
"boas" são repreendidas. E, "em geral, a idéia de todo o mundo
de quem deveria ser o primeiro ou o último leva liberalmente um banho de água
fria". (The Parables of the Kingdom, pág. 15).
Mas não há
maior mistério nas parábolas do reino do que a quase completa ausência de
ênfase na simples providência divina — absoluta ou imediata — o tipo que
pareceria inseparável da própria idéia de domínio de Deus. É ainda a crença
geral que se Deus, que não é só completamente justo mas também poderoso,
estabelecesse um reino, ele só poderia existir onde toda a impiedade fosse
destruída. Se o seu é o reino da absoluta justiça, como pode ser dito, em
qualquer sentido, que esse reino exista onde a impiedade não somente parece
estar presente, mas até prevalece? Esta questão é, realmente, apenas a extensão
de um assunto mais fundamental que tem deixado o homem perplexo durante
séculos: como pode haver mal num mundo governado por um bom Deus? Para alguns é
fácil. Se Deus quer estabelecer seu reino, qual é a necessidade de demora? Ele
tem o poder. Por que ele simplesmente não quebra as cabeças, joga fora os
canalhas e torna tudo lindo?
E aí há uma
segunda questão semelhante que muitos, Trench entre eles, acreditam ser o
assunto tratado nesta parábola. Como pode ser real o reino do céu se existe
dentro dele todos os tipos de falsidade e hipocrisia?
Ainda que haja
considerável controvérsia quanto a qual das questões acima a parábola de Jesus
se refere, dificilmente pode haver qualquer dúvida séria de que ela fala de uma
ou de outra delas. A história do joio semeado no campo, encontrada apenas em
Mateus (13:24-30,36-43), segue imediatamente após a parábola do semeador.
Nesta, Jesus já havia insinuado que a justiça (o solo bom) terá de florescer
num mundo onde muitos rejeitam o reino de Deus (o solo da beira do caminho) e
outros a receberão de modo superficial e infrutífero (solo pedregoso e espinhoso).
Na história do joio ele parece recomeçar por onde parou na do semeador, para
tornar explícito o que antes fora apenas sugerido. O reino do céu é, na
verdade, destinado a crescer e abrir o seu caminho no coração de um mundo onde
o mal não é somente muito vivo e ativo, mas continuará a sê-lo até que esse
mundo acabe. Para dizer o mínimo, esta é uma surpresa, e para muitos, um choque
incrível. Está pelo menos 180 graus defasado da idéia de muitas pessoas sobre o
reino do céu. Para elas, o reino do céu não terá vindo até que toda a impiedade
seja destruída. O reino tem que vir pelo paradoxo que Lutero chamou "o
poder da mão esquerda" de Deus: dando para ganhar, perdendo para vencer,
morrendo para viver.
"Outra
parábola lhes propôs, dizendo: O reino dos céus é semelhante a um homem que
semeou boa semente no seu campo; mas, enquanto os homens dormiam, veio o
inimigo dele, semeou o joio no meio do trigo e retirou-se. E, quando a erva
cresceu e produziu fruto, apareceu também o joio" (Mateus 13:24-26).
Nossa reação
imediata a esta parábola poderia ser, "Que tipo de fazendeiro é este,
descuidado de manter as ervas fora de seu campo, dormindo quando deveria ter
estado alerta?" Mas o fazendeiro desta parábola não é um homem negligente
que não fez nenhum esforço para manter seu campo livre de ervas, passando seus
dias dormindo quando deveria ter sido consciencioso. Seu trigal é forte. Ele
dormiu somente quando os trabalhadores dedicados dormem: de noite. O problema é
que ele tem um inimigo que não se deterá diante de nada para destruir aquilo em
que ele não teve parte nem interesse em plantar. As ervas não são descobertas
mais cedo porque elas não são esperadas e porque as ervas semeadas são tão
parecidas com o trigo quando brotam que o seu disfarce não foi descoberto
enquanto não começaram a pôr a cabeça de fora. O joio (em grego zizanion,
especificamente cizânia, Lolium Temulentum), era uma gramínea anual que parecia
muito com trigo até que amadurecesse. Arndt e Gingrich definem-no como
"cizânia, capim-cevadinha, uma erva perturbadora nos trigais, parecida com
trigo" (pág. 340). Thayer diz que é "um tipo de cizânia, trigo
bastardo, parecendo trigo, exceto que seus grãos são pretos" (pág. 272).
Então por que
essas ervas perturbadoras não seriam removidas imediatamente? Não porque não
estivessem sugando o solo, e desafiando o trigo por nutrimento, e não porque
não fossem agora facilmente identificáveis, mas porque qualquer esforço para
erradicar as ervas, agora crescidas e enraizadas seguramente e misturadas com o
trigo, arrancaria também o trigo. Esperem, o fazendeiro disse aos seus servos,
"até a colheita".
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